As letras miúdas da medicina



Aos colegas recém-chegados…

Muita gente pensa que faz ideia do que é o exercício da medicina, mas apenas um médico tem a real noção do que é a profissão… Nem um estudante de medicina no último ano consegue saber como realmente é. Nem um recém formado sabe de fato onde está se metendo. Só sentindo na pele e vivenciando a profissão durante algum tempo para saber o tamanho da responsabilidade, do estresse, dos anseios e das cobranças que caem em nossas costas.

As pessoas romantizam tanto a medicina e esperam tanto de nós, que esquecem que somos pessoas com problemas, sentimentos, contas para pagar, etc. Esquecem até que temos necessidades fisiológicas…

Se não atende um telefonema no seu horário de descanso, te amaldiçoam. Se não responde WhatsApp, é como se o mundo fosse acabar. Se não faz um encaixe, se cobra pelos seus honorários, se tira férias, se cancela o consultório porque adoeceu… Tudo é motivo para desejarem sua cabeça.



Não precisamos ir muito longe. Basta aguardarmos as reações a esse texto. Os previsíveis paladinos do amor e da justiça logo estarão aqui atirando suas pedras e jogando na nossa cara os mais ridículos clichês:

“Você fez um juramento!”
“Vocês se acham Deuses!”
“Medicina é um sacerdócio!”
“São todos filhinhos de papai!”
“Doutor é quem tem doutorado!”
“Tudo pra vocês é virose!”
“Vocês só pensam em dinheiro!”
“Tem que fazer medicina por amor!”
“Eu que pago seu salário!”
“Que venham os cubanos!”
“Vocês se fazem de vítimas!”
“Deus me livre de cair nas mãos desses médicos de hoje!”

Não importa o bem que toda a classe médica já tenha feito, as pessoas irão pensar primeiro nos erros de alguns poucos, seja a máfia das próteses, o não cumprimento da carga horária, os dedos de silicone, a suposta omissão de socorro, etc.

A maioria das pessoas não gosta de médicos. Isso é fato. É indiscutível. As causas são várias, pois a figura do médico está frequentemente associada ao medo, ansiedade, sensação de impotência, frieza, pressa, dúvidas, estresse, expectativas exageradas, fatalidades, experiências ruins, condutas de maus profissionais, etc. Dessa relação complicada entre médico e paciente, o resultado mais frequente acaba sendo a frustração. Falar mal de médico é como falar mal da polícia ou de políticos. Se tornou parte da cultura do brasileiro.

Após 10 anos de formado aprendi a conviver com isso. Não ligo mais. Só escrevo esse tipo de coisa para confortar, para mostrar aos colegas recém-chegados que esse mal estar que sentem perante a sociedade não é só deles… É muito comum em nosso meio.

Esse lado da medicina é tipo aquela letra miúda da embalagem, que ninguém lê, e que só tomamos conhecimento quando já é tarde.

Acostumem-se logo com isso… Ou adoecerão. Literalmente.

Texto escrito por Solon Maia


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